Minas Gerais é assim, de Rosa, de coragem, do escritor, do artista, do tocador, da prosa, da laranjeira, da lua, do tamanho de uma montanha de cachoeira.
Há muitos anos conheci um tocador, cantor, poeta, compositor e também amigo. Isso foi em Belo Horizonte, minha cidade natal. Na verdade eu nasci em BH e cresci na cidade ao lado, Contagem.
Hoje as minhas letras vão falar de um cantador como a gente diz aqui em Minas: um cantador tocador. Acho que quando eu pronunciar o nome dele um monte de gente que estiver ouvindo vai pensar numa lembrança boa e linda que cantou junto.
Filho de Minas Gerais é assim, prosa boa, cantoria, fogueira, churrasco, comida de tempero de vó, tem quem bebe, tem quem não bebe, mas não tem um que não cante quando a noite cai e a gente tá todo mundo junto em festa.
Eu quando pequena achava que ele, Eustáquio Ribeiro, o Alemão, era famoso. Ué, ex-jogador de futebol, cantor, compositor, sucesso nas festanças, um monte de amigos, família grande, linda, alegria sem fim… Ele também tem com todo mundo, como bom mineiro, o abraço sincero, o sorriso fácil, a simplicidade da gente, o chapéu de couro, o violão sempre pronto, os livros de letras e de cifras na mesa.
A gente até lembra do Guimarães, do Rosa, quando fala desse junta bom de gente mineira:
“O correr da vida embrulha tudo,
a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente
aprendendo a ser capaz
de ficar alegre a mais,
no meio da alegria,
e inda mais alegre
ainda no meio da tristeza!
A vida inventa!
A gente principia as coisas,
no não saber por que,
e desde aí perde o poder de continuação
porque a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais,
ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando.
Afinam ou desafinam. Verdade maior.
Viver é muito perigoso; e não é não.
Nem sei explicar estas coisas.
Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor.”
João Guimarães Rosa
Nas cantorias de antigamente tinha o livro dele e o nosso, pra não dar confusão na festança. Já vi ele ser acompanhado por tocador de berimbau, tocador de viola, de percussão, de bateria, de chocalho, de palma da mão, de caixinha de fósforo, de tudo que pudesse fazer a cantoria não ter fim.
Eu sempre soube desde pequena que uma lua e uma estrela moravam dentro dele, do nosso amigo do peito. E eu de algum jeito queria um dia ser assim também, ser lua e estrela, dar voltas no céu e cantar com “as gentes do mundo” com a simpatia do tamanho de um mar. Queria desde sempre ser um pouco como ele, o tocador que sempre teve asas, que sempre teve Estrela Guia.
Tentei até começar a cantar, ainda me aventuro nos momentos de folia, mas acabei descobrindo que letra escrita também canta, que os filmes que eu faço podem também ser um pouco de batuque misturado com o sapateio do meu povo.
Descobri que o que eu faço pode eternizar o que ele faz. Descobri depois de adulta que a gente conta a história da humanidade através da arte, sempre foi e sempre vai ser. É pra isso que ela serve, pra gente saber que as pessoas existiram nesse mundo.
Arte é asa, arte é aplauso do eterno, é viver pra sempre, arte é memória de qualquer dia, de gente que voa sem sair do lugar. Arte é fala de justiça, e ninguém nunca vai calar a arte, porque ela sempre foi à prova de balas.
Ele, o Alemão, me contou assim: O Marco Aurélio Guimarães de Carlos Chagas fez uma música, eu dei uma contribuição pequena também. E aí adivinha? Virou canção…
“Antes que a lua dê três voltas no céu, eu te prometo que vou arranjar meios de vida pra nós dois casar.
Pra ganhar o seu amor já fiz inté simpatia, colhi três galhos de arruda, rezei três Ave Marias. Com os olhos pregados no céu crentes na Estrela Guia. Com os olhos pregados no céu, crentes na Estrela Guia.
Antes que a lua dê três voltas no céu, eu te prometo que vou arranjar meios de vida pra nós dois casar.
Meu amor é de um tamanho que se eu pegasse o mar e ajuntasse com o universo, não daria pra chegar nem perto de um pouquinho do tamanho deste amar. Nem perto de um pouquinho do tamanho deste amar.
Antes que a lua dê três voltas no céu, eu te prometo que vou arranjar meios de vida pra nós dois casar.
Plantei um pé de fulô debaixo da laranjeira, regado com raios da lua e água da cachoeira, a primeira flor que der enfeitará sua cabeleira. A primeira flor que der enfeitará sua cabeleira.
Antes que a lua dê três voltas no céu, eu te prometo que vou arranjar meios de vida pra nós dois casar.
Hora do cantador convidado desta que vos escreve deixar pra sempre a sua voz por aqui. Alemão Eustáquio Ribeiro.
Eu tenho deixar o meu agradecimento aqui ao meu amigo músico e produtor musical Ronilson Silva da banda Berimbrown. Ele me ajudou a tratar o som dessa música que você acabou de ouvir. Ele me falou assim: Quel, deixa o som original, é lindo, é verdadeiro, é massa.
Deixo aqui nestas letras o meu aplauso, o meu respeito, o meu caminhar… Vou tentar deixar sopros de esperança nas vidas e nos corações de quem respira aqui neste mundo junto comigo.
Os textos originais deste podcast ficam publicados no blog desenhomoderno.wordpress.com.
Eu sou Raquel Alvarez, produtora audiovisual, documentarista e jornalista. Pelo jeito ando aspirando ares de escritora também. De momento deixo minhas humildes crônicas ao eterno.
Me segue no instagram? É @quel_alvarez
Saudações, namastê e axé!