Hoje aqui vai uma carta a um novo amigo chamado silêncio. Ao precursor de todos os intervalos de respiro das vidas das almas que nos inspiram. Depois das milhões de voltas ao redor do sol, o planeta já pode sim ser lido a partir das suas flores, guerras e formas de arte. A história do mundo calça por vezes botas e sapatos surrados cheios de laços viajantes, sob uma estrada de entrega e libertação de corpos ocupados.
Hoje testemunhamos aqui parte de uma das milhões de voltas do planeta ao redor do sol. Temperados por palavras grandes: confinamento, isolamento, distanciamento…
Olhamos o sol usando as janelas aparentemente presos em nossas casas e redutos, ficamos a tentar organizar algo de infinito para chamarmos de história.
Respiros e silêncios que antes pareciam vãos, hoje são a festa possível dentro dos corações que por vezes batizamos como casa. Casa de silêncio que, quando recém nascidos nos parecia necessária, hoje nos recebe novamente por decisão nossa em morada moderna.
Hoje estamos convidados a uma redação de mais sabedoria e empatia entre os povos, etnias, nações, cores de pele, idiomas, culturas… Agora aqui ficamos convidados e convidadas a um novo ciclo de perdão, sem empatia não haverá silêncio possível.
Não me deixo engolir pelas vãs premonições de perdão e amor eterno oriundas de denominações religiosas. Talvez aquele nobre homem pobre judeu que há 2 mil anos pregou o amor sem medidas tivesse falado: “voltarei muitas vezes, e vocês me matarão torturado e assassinado em todas elas”.
Fica sempre difícil decidir por aplicarmos lubrificantes de remissão em uma engrenagem sistêmica branca, cristianizada, racista, classista e misógina de uma cultura ocidental que tentou escrever a história da terra vencendo guerras repletas de pólvora.
Não redijo esta carta ao silêncio das mulheres agredidas, não escrevo esta carta ao silêncio das crianças vítimas dos adultos mesquinhos e agressores. Aos agressores deixo o meu mais alto grito. Aos agressores que se borrem pelo medo da retratação pública, pois ela virá.
O silêncio é respiro entre muitos gritos por justiça que devem ser proferidos cada dia mais altos ao ponto de serem torturantes aos agressores históricos de povos e nações. Que os indígenas não se calem, que os povos pretos não se calem, que as mulheres não se calem. E que os povos brancos ocidentais entendam de uma vez por todas que é hora de aprender.
Por aqui gritaremos sempre com as nossas letras, sons e imagens. Por aqui o abraço que consola um choro forte acontece pelo nosso jeito de cuidar do mundo. Vivemos o nosso trabalho tão refém das tecnologias, mas o nossos equipamentos mais caros nem a falta de energia elétrica vai conseguir desligar: são o nosso cérebro e o nosso coração.
Deles sairão as letras “sejam elas escritas como sejam”, deles sairão os abraços tão apertados quanto o maior laço de amor dessa terra. Deles não faltarão as forças para lutarmos contra toda forma de opressão humana. Do cérebro e do coração, não se esqueçam.
Em tempos de busca de silêncio e ao mesmo tempo da necessidade do grito, chegam corações espirituais que nos convidam a uma transição de afetos e a uma vida fora do tempo.
Belo Horizonte 20 de Julho de 2020
Por Raquel Alvarez
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